quarta-feira, 13 de julho de 2011

Imersão nas Estórias, na Sala d'O Imaginário


Depois do recolhimento de tantas estórias e dos encontros com a Cia. Será O Benidito?! do Rio de Janeiro, a imersão agora é na sala de trabalho d’O Imaginário em Porto Velho, RO.


O diálogo que estabelecemos com as várias pessoas que encontramos em nossas viagens, nos forneceram muito material de pesquisa, estórias e causos da oralidade de nosso povo.


A oralidade é entendida por pesquisadores como a profª Beth Rondelli em seu livro “O Narrado e o Vivido”, como um “conjunto de narrativas” vivenciadas por um grupo que compartilham as mesmas “referências” estéticas e éticas.

“Tais estórias não são exclusivas desse grupo.” Observamos que as mesmas histórias tinham versões diferentes. Mesmo que algumas estórias “possam sugerir semelhanças com outras estórias”, “cada contador é o autor de sua própria estória”.

"Nada retém sua própria forma; a Natureza, a maior renovadora, constantemente cria formas de formas. Certamente nada há que pereça em todo o universo; há apenas variação e renovação de forma." Ovídio, Metamorfoses.


         A convivência com as pessoas de cada localidade da margem do Rio, da ferrovia e da mata, descendentes ou não de famílias que ali estiveram no inicio de sua ocupação, especialmente durante o Ciclo da Borracha, nos proporcionaram uma visão do humano, do drama, das ações e da realidade social. Nosso foco eram os traços culturais: as crenças, os costumes e os diferentes tempos da vida.

As narrativas e as memórias, da presença dos trabalhadores, de diversas nacionalidades, em cada localidade, na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, da extração da seringa e da extração da madeira, são povoadas de várias lendas de encantados e seres da mata e do rio.

Buscar um caminho em meio a tantos caminho ou “varadouros” como são chamados por aqui. Varadouros de trilhos, varadouros de rios, varadouros na mata, procurando proporcionar a vivência destas viagens. Transformar estes dramas, ações, realidades humanas em composição de ações poéticas através da cena teatral é o nosso desafio agora.

Leo Carnevale

Fotos: Arquivos O Imaginário

terça-feira, 12 de julho de 2011

Um Caminho Amazônico - Varadouro


Percebemos em nossas viagens a recorrência nas estórias que íamos recolhendo, nos modos de vida das pessoas e no dia-a-dia das comunidades a questão do “caminho” ou “varadouro*” como chama o povo.


Uma palavra com muitos significados, Varadouro, é para o homem o caminho no meio da mata, o rio ao longo da floresta, os trilhos da estrada de ferro, todos relacionados ao espaço percorrido ou a percorrer.


Estrada ou via de condução de um lugar a outro.


Este caminho os levava de casa ao trabalho, a pesca, ao lazer, aos mistérios, as festas, a reza.



Fotos: Arquivos O Imaginário

Depois de tanta viagem agora nos debruçamos com mais intensidade no material recolhido.
Muitas coisas pra olhar nessa imensidão de rios e matas e trilhos.
E vamos nós, varadouro a dentro.
Abrindo passagem de facão, voadeira ou locomotiva.
Viva a vida! Viva!

*Dic. Aurélio – S. m. Brasileirismo Amazônico, Caminho.


Leo Carnevale

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Barão de Catarina


"Do rio que tudo arraste se diz que é violento

Mas ninguém diz violento

As margens que o comprimem."

Bertold Brecht


Viajamos mais uma vez ao seringal de Santa Catarina para recolher outras impressões e histórias para a pesquisa sobre a oralidade. Existem poucas casas e poucas famílias. Quase todos são parentes.

Sozinho, entrei no meio da mata onde se esconde o tumulo do Barão Abelha. Na comunidade dizem que foi o dono do seringal na época dos coronéis de barranco. “Na mata um silêncio rodeado de ruídos.” As árvores imponentes. Muitos mistérios. Duas semanas antes de chegarmos, soube depois que entrei na mata, mataram uma onça que rondava a comunidade, comendo as galinhas, um risco a vida dos adultos e crianças. Pensei, o que fazia naquela mata sozinho.

Uma força me impelia para lá. Quando estava lá dentro, dava vontade de continuar seguindo e seguindo sem parar, como se hipnotizado pelas diversas cores, o verde, o marrom, muitos verdes e muitos marrons. As cores se misturam em vários tons.

Voltei ao centro da comunidade onde encontrei com os companheiros. De lá pegamos um barco e fomos a te a cachoeira onde a filha deste barão, conta a lenda, se escondeu depois que seu pai proibiu o namoro com um homem que saiu da mata não se sabe vindo de onde.




Percorremos um caminho por um igarapé até chegar num lago, depois caminhamos mais um pedaço no meio da mata, e logo a cachoeira se desvenda por trás das árvores. Ao avistá-la, fomos tomados por um espanto. A luz do sol por entre a mata brilhava no espelho d’água que corria entre as pedras.

Na pedra, marcas de que alguém esteve sentado ali há muito tempo. Um mistério guardado na floresta. Num tempo de Barões de seringais.


Leo Carnevale



terça-feira, 5 de julho de 2011

Silvio e a Cameloturgia.

Lendo, pesquisando e aprofundando na biografia do apresentador Silvio Santos, há 50 anos no AR, reparamos que ele só é o que é por ter sido um bom camelô. Ele emprega até hoje técnicas e malandragens na abordagem, na comunicação e principalmente na relação com o publico ou como ele mesmo chama “colegas de trabalho”. A partir de uma matéria que saiu no encarte “Revista da TV”, que achamos no meio de uma pilha de jornais velhos é que despertou o interesse em saber um pouco mais sobre a trajetória da vida desse senhor que quando menino foi camelô.



Silvio Santos nasceu na Lapa boêmia do Rio de Janeiro. Filho de imigrantes gregos e que tiveram seis filhos, a família Abravanel vivia com poucos recursos. De seus irmão, Silvio, desde muito cedo mostrou-se um grande visionário. Como a família não era uma família rica e o pai gastava o pouco que tinha em jogatina, Silvio teve ai a sua motivação para não depender do dinheiro de seus pais.


A eleição Presidencial de 1946 foi o marco na vida do jovem Abravanel. Andando pela Av. Rio Branco ele reparou um aglomerado de pessoas e foi olhar. Era um homem que vendia capas para titulo de eleitor. Muitas pessoas compravam as capinhas, pois já fazia 15 anos que não tinha eleições. Silvio tinha 16 anos e ficou intrigado como ele vendia rápido as capinhas e resolveu entender melhor como era isso. Ficou olhando o homem vender as capas e depois, sem que o ele percebesse, seguiu-o até a loja que ele comprava as capinhas. Era na rua Buenos Aires (SAARA) e o Silvio constatou que ele lucrava mais de 50% vendendo para os transeuntes. Pronto, Silvio esperou o homem sair da loja e com o único dinheiro que tinha – uma moeda de 2 Cruzeiros - comprou uma capinha e foi para a Av. Rio Branco vender. Levantou a capinha no ar e falou que era a ultima e vendeu rapidamente a capa. Pegou o dinheiro, voltou na loja e comprou duas capas e voltou para a Avenida. Com o mesmo discurso de serem as ultimas, ele vendeu as capinhas e logo em seguida retorna a loja e faz uma nova compra de uma quantidade maior. Assim Silvio diz ter começado sua promissora carreira de camelô.

O ponto preferido de Silvio era a Av. Rio Branco esquina com a 7 de Setembro ou a Ouvidor. Naquela época ele diz que só tinham 12 ou 13 pessoas vendendo na rua e vendiam produtos de baixa qualidade. Não gostava da forma que esses camelôs vendiam, ele achava que sendo um estudante, não poderia usar a mesma linguagem. Até que um dia ele conheceu o “Seu Augusto”, o alemão das canetas. “Seu Augusto” ficava na esquina da Av. Rio Branco com a Av. Presidente Vargas, só vendia canetas e trabalhava somente uma hora por dia. Enquanto “Seu Augusto” vendia 100 a 200 canetas por hora, os outros camelos levavam de 7 a 8 horas para vender meia dúzia. Como “Seu Augusto” era considerado o melhor camelô do Rio de Janeiro, Silvio resolveu entender como era o trabalho dele e ficou dias só observando. Não tinha nada que os outros camelô não fizessem, porém Silvio reparou que ao abrir a sua barraquinha dobrável e expor suas canetas, “Seu Augusto” começava sempre com uma boa conversa com o publico, que logo aglomerava na sua frente. Ele explicava as funções da caneta e suas qualidades, até que dava o preço e em instantes vendia todas as canetas. Depois de ficar dias olhando e estudando o alemão, Silvio mandou fazer uma barraquinha igual ao dos outros camelos, foi no atacadista comprou canetas e foi para o seu ponto preferido. Como não tinha certeza se iria conquistar o publico só com a fala, aprendeu umas manipulações com moeda e baralho. Assim com as manipulações, reparou que as pessoas paravam para assistir e pessoas de todos os tipos, idades e classes sociais. Ele aproveitava entre uma manipulação e outra – garoto bem falante – começava a explicar as qualidades, funções e o “diferencial”, como substituir a bombinha da borracha ou a pena. Pronto, em alguns dias ele já vendia mais que o “Seu Augusto” e por diversas vezes os jornais publicaram reportagens sobre um menino que com suas mágicas, prendia um enorme publico a sua frente.

Esse mesmo menino que fazia mágicas, hoje é o grande apresentador de televisão. Mesmo sendo o apresentador há mais tempo no ar na televisão brasileira, Silvio não deixa de lado a sua percepção de camelô. Há anos Silvio Santos repete um ritual antes de gravar seu programa, ele vai até a plateia - formada exclusivamente por mulheres - e conta piadas. O "esquenta", como ele chama, só termina depois de quase uma hora, quando percebe que suas "colegas de trabalho" estão às gargalhadas. Só assim ele inicia as gravações do programa. Usando essa e outras técnicas adquiridas com a Cameloturgia, é que se torna um dos maiores comunicadores da História da televisão brasileira.


Conversar, brincar, contar piadas ou fazer mágicas é o que faz com que um bom camelô se aproxime de seu publico. Uma vez estando próximo, ele consegue através da confiança adquirida, dar o seu recado ou vender o seu produto. Fazer o esquenta, tendo como partida a oralidade e a comunicação verbal e física é fundamental para se estabelecer a Cameloturgia.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

3 Dias no Seringal

Ainda como parte da pesquisa "Oralidade", fizemos uma viagem ao Seringal Santa Catarina, na região do Baixo Madeira - Rondônia, nos dias 17 a 19 de junho. Foram 8hs de barco até chegar lá, e mais 12hs na volta (subindo o rio). Rita Queiroz, artista plástica e herdeira do Seringal, foi com a gente.


"Sob o calor infernal, conversas estranhas... Pessoas falando de doenças, do modo de vida beradeiro... Foi assim o início da nossa viagem ao Seringal. Partimos rumo à investigação de "Coronéis de Barranco" e do Barão Abelha, pai de catarina, e também de vestígios dos trabalhadores da EFMM. No Seringal Santa Catarina, observamos o tempo, o varadouro - uma espécia de trilha, que simbolicamente pode ser representado pelo rio ou pelos trilhos da ferrovia. Nos 2 dias que passamos no Seringal, tivemos a oportunidade de subir por um "furo" e chegar a um grande lago com uma Cachoeira, onde Catarina, a filha do Barão Abelha, depois de enlouquecer, sentou-se e ali permaneceu até sua morte".