terça-feira, 23 de agosto de 2011

O CHAPÉU

“Tradição e Valorização”



O simbolismo do chapéu é milenar. Tem seu início na Grécia, passa pela idade media e chega aos nossos dias. A arte surge nas praças e ruas junto com a formação das primeiras cidades. Esses artistas que foram aprisionados e taxados com o surgimento das salas teatrais - invento da burguesia da idade media que potencializou o que se lucrava nas ruas - deixou de passar o chapéu e criou a bilheteria. Distanciando a arte de rua de suas origens e de seu publico, pois só assiste quem pode pagar e não que quer. 


Os artistas que estão nas praças, ruas e feiras do mundo, não contam com o aparato das salas. Eles só contam com a sua relação de afeto e de estabelecer confiança e conquistar a platéia até o fim da apresentação, sem que eles partam no meio do espetáculo, show, performance ou qualquer uma das formas de expressão artística que habitam as cidades.


O chapéu é a contribuição afetiva do publico e uma forma de participar e dizer que gostou. A valorização do artista de rua se faz também através da generosidade do publico, que não paga para entrar, mas oferta o quanto pode para dizer que gostou e que dentro do que lhe é possível gostaria de pagar pelos instantes de felicidade e entretenimento ofertado pelo artista. Algo que só na rua é possível. O artista de rua não é um pedinte. Ele oferece a sua arte para a cidade e como qualquer outro profissional, tem sua função no quadro social e ele tem que receber por isso. Tem suas contribuições tributarias e sua sobrevivência diária como qualquer outro profissional. É a relação da troca que estabelece seus ganhos ou perdas. Se não houver troca de afeto, confiança, cumplicidade, não tem o retorno, pois não se estabelece a roda. Então não tendo publico ele não recebe

O povo brasileiro é o mais alegre, generoso e solidário do mundo. A arte de rua só afirma o que digo, pois esse mesmo povo contribui com o que tem. Já presenciamos caso de valores altos a moedas de pessoas de classes e situações de vida diferentes. Pessoas que para a arte de rua não importa sua origem ou condição, é publico. Distinta das suas classificações sócias, elas querem contribuir e se sentem bem em retribuir com o que pra ela é “muito de nada” ou “pouco de muito”.

Porque e pra quem passar o chapéu? Será que é para manter a tradição e a cultura da valorização dos sentimentos humanos ou a sobrevivência? Esse gesto mantém o publico habituado a contribuir com o que viu e gostou. Muitos artistas não conseguem um patrocínio, apoio ou estimulo financeiro para estarem nas ruas. Porém, se os que conseguem não mantiverem essa relação de troca com a platéia, os muitos que sem o respaldo financeiro de projetos ou captação, passarem pelas mesmas praças que outros subvencionados passam e não roda o chapéu, a relação afetiva da troca não foi estabelecido. Quem quis e não contribuiu ou que não foi estimulado a colaborar, certamente se sentira constrangido ou sem o interesse em contribuir e dar o que instintivamente daria. Tem que difundir a idéia de que o publico é o grande patrocinador da arte de rua e da cultura nacional. Contribuir no chapéu é uma das formas que o publico tem de expressar o quanto gostou e quer contribuir da forma que pode, com quanto pode e quando pode com o que acabou de assistir.



As maiores dificuldades para o artista de rua ainda são a arrecadação e a chuva. Para a chuva ainda não temos a solução. Porém para a arrecadação, já estão surgindo varias formas, estratégias e possibilidades de rentabilizar e engordar o chapéu. A forma tradicional de esperar o final do espetáculo, já não é o melhor momento, pois com a vida corrida e a hora apertada, boa parte das pessoas não fica até o final. Mas verdadeiras estratégias vão surgindo e sendo testadas. Alguns artistas trabalham com a dita “Bilheteria aberta”, aquela que o espectador pode contribuir a qualquer momento do espetáculo. Tem quem agregue valores a produtos e ao espetáculo, como exemplo: dentro da apresentação tem um numero com Malabares, essas mesmas bolinhas são oferecidas como produto e ainda no final, se ensina a jogar as bolinhas. Tem outros valores agregados, como bonecos artesanais fabricados pelos próprios artistas, adesivos, camisetas com a estampa do grupo ou espetáculo, CD’s com a trilha sonora ou piadas do show e para quem pode produzir, o DVD com a apresentação que o publico acabou de assistir. Tem quem goste de presentear a platéia como sedução, exemplo: quem coloca uma nota de um valor especifico ganha um brinde, que pode ser pulseira, chaveiro, adesivo, nariz de palhaço ou qualquer lembrança que tenha co-relação com o artista ou com o que se apresenta. Sendo assim, o publico não só contribui com o tradicional chapéu, como leva uma lembrança do espetáculo ou do artista para sua casa.

Todas essas formas e estratégias de passar o chapéu é um estimulo ao exercício da Cameloturgia. Vale usar nessa hora a habilidade de uma boa conversa e um bom argumento para na hora certa passar o chapéu. Transformar o chapéu em uma atração pode ser um divertimento a mais para o publico, que entende o código e o momento de sua participação.

Fica uma sugestão. Na divulgação dos espetáculos vários espetáculos colocam em suas filipetas, faixas, banner e email de divulgação as seguintes frase: “Apresentação Gratuita”, “Entrada Franca” ou “Espetáculo Grátis”. No lugar dessas frases, que indicam que o publico não pagaria nada para assistir, pode surgir substitutos que indique que o publico pode contribuir e pode participar com algum valor. Afinal de contas estarmos na rua tem um preço e o nosso trabalho não é de graça. A sugestão é: coloquem frase que indicativas como “Bilheteria Espontânea”, “Contribuição Afetiva” ou “Bilheteria Aberta”. Essas frases são somente sugestões de varias possibilidades que cada artista, coletivo ou grupo pode achar para divulgar que a sua arte não é sem valor ou que ao oferecer seu trabalho o artista espera reconhecimento também financeiro. Recentemente usamos em uma filipeta de divulgação uma dessas frases, o que prontamente foi compreendido com muito bom humor por que recebia a filipeta e o que gerou um bom resultado no chapéu.



Estimular o publico a compreender e a respeitar o oficio da arte de rua é importantíssimo. Pois é uma arte tão fundamental para a desobstrução das artérias das cidades que pulsam sem parar pessoas com suas imperfeições, anseios e sonhos.



“As maiores dificuldades para o artista de rua é a arrecadação e a chuva”.

“Importante era fazer algo que o público gostasse e depois ter dinheiro no chapéu. O dinheiro era a conseqüência de quanto o público gostava do que eu fazia”.

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